Comandante do Bope recém-empossado, o tenente-coronel Carlos Eduardo Sarmento percebeu em maio que operações do batalhão emfavelas dominadas pelo tráfico
não atingiam o resultado esperado. O comando passou a desconfiar de
vazamentos dos próprios integrantes. Sem estrutura ideal para fazer uma
investigação desse porte, Sarmento pediu ajuda ao Ministério Público, à
Polícia Federal, à Corregedoria da PM e à Secretaria de Segurança. A
força-tarefa deu início à investigação que resultou na prisão de quatro policiais militaresnesta sexta-feira (11) – um quinto está nos Estados Unidos e prometeu se entregar.
Diariamente, os “caveiras” envolvidos informavam a traficantes do Comando Vermelho
os locais de operação da unidade de elite da PM, por mensagens
criptografadas de grupos fechados em telefones Black Berry. O
dispositivo BlackBerryMessenger (BBM) se tornou mais conhecido com a
Operação Lava-Jato, iniciada em 2014, porque era usado por envolvidos no
esquema de corrupção da Petrobras. Os PMs também são acusados de vender
armas apreendidas e até fardas do Bope para traficantes. A unidade de
elite tem entre suas marcas características o uniforme preto –
recentemente adotou o verde camuflado. Daí o nome da operação, “Black
Evil” (Mal Preto).
Ao decretar a prisão, a juíza Ana Paula Barros, da Auditoria Militar,
afirmou que “os denunciados não só forneciam informações acerca das
operações policiais aos traficantes, mas também negociavam as armas
apreendidas em operações policiais e adquiriam fardamento de uso
exclusivo do Bope para repassarem aos integrantes da facção criminosa”.
Eles recebiam entre R$ 2 mil e R$ 10 mil por favela.
O serviço de inteligência da PM recebeu fotos de traficantes armados
em Madureira, na Zona Norte, ao lado de viaturas. Na sequência,
descobriu-se o envolvimento de três policiais do Bope, inicialmente
identificados apenas pelos apelidos de Preto 1, Preto 2 e Preto 3. Nesse
período, os investigadores e o Bope usaram diversas estratégias para
chegar aos espiões do crime. Primeiro, tentaram identificar a que
companhia pertenciam os vazadores. Ao longo do tempo, foi-se fechando o
cerco. Para isso, monitoravam operações noturnas e dividiam as equipes,
para localizar onde haveria vazamento. Algumas patrulhas – de dez homens
– chegaram a ser divididas ao meio para identificar em que grupo estava
o delator.
Quando as suspeitas se reforçaram, a Justiça decretou a quebra dos sigilosos telefônicos
dos acusados. As mensagens mostravam o envolvimento com o traficante
chamado “Da Rússia”, do Comando Vermelho. Todos os acusados passaram
pelo Bope, mas três continuavam na unidade até serem presos nesta
sexta-feira: o cabo Maicon Ricardo Alves da Costa (Preto 1), o o
sargento André Silva de Oliveira (Preto 2) e o soldado Raphael Canthé
dos Santos (Preto 3). O quarto é o cabo Silvestre André Felizardo, o
Corinthians, do 15º Batalhão, que havia sido afastado do Bope.
Considerado o chefe da quadrilha, ele cooptou os cúmplices, de modo a
ter informantes em todos os turnos da unidade. Outro membro da tropa,
Rodrigo Meleipe Vermelho Rei, está em Miami e não foi preso.
Policiais do Bope estão revoltados com os
ex-companheiros, a quem consideraram “traidores”. A irritação é ainda
maior porque eles passavam informações para o Comando Vermelho, facção
extremamente violenta, afeita ao confronto com a polícia. Nesta semana,
membros do CV mataram a tiros dois policiais da UPP Jacarezinho. A ADA
(Amigos dos Amigos) opta por uma atuação mais comercial e de menos
confronto.
A sorte também ajudou os investigadores. Um dos integrantes, o
experiente sargento André Silva de Oliveira, foi descoberto graças a um
descuido com o celular Black Berry, usado para contato com os
criminosos. Sem perceber, ativou o botão de envio mensagem de voz e foi
identificado por sua maneira peculiar de falar. Oliveira é conhecido no
batalhão pelo apelido de “Fala Claro”, devido a uma dificuldade
característica de se comunicar, atropelando as palavras e tornando a
compreensão difícil. Quando membros do Bope ouviram a gravação
interceptada, não tiveram dúvidas de que se tratava de “Fala Claro”. O
sargento era considerado um policial eficiente e participou de inúmeras
operações da unidade, inclusive da operação de retomada do Complexo da
Penha e do Alemão. “Foi uma enorme decepção”, disse a ÉPOCA um policial
que o conhece há anos.
De acordo com a juíza que decretou a prisão dos PMs, os fatos
praticados são de “extrema gravidade” e a atuação colocava “em risco,
além dos demais policiais militares atuantes no Batalhão de Operações
Especiais, toda a sociedade fluminense que ficava a mercê da violência
praticada por aquela facção criminosa, gerando insegurança à população”.
Para ela, são crimes que “revelam uma inversão total dos valores
ensinados na formação de um militar, pois os mesmos se prevaleciam de
sua condição de membro da unidade de elite da Polícia Militar para obter
informações privilegiadas e repassar aos bandidos”.
Uma das famas do Bope é de que seus policiais são menos suscetíveis à corrupção. Este é o segundo grande caso de suspeita
contra membros da unidade este ano. Em junho, seis policiais foram
afastados do batalhão e investigados sob suspeita de roubar R$ 1,8
milhão de traficantes do Morro da Covanca. Nesta sexta, o subsecretário
de Inteligência da Secretária de Segurança Pública, Fábio Galvão, disse
que as prisões não colocam em xeque o Bope como batalhão incorruptível.
“São apenas quatro, entre 550 homens”, afirmou.
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